segunda-feira, 11 de junho de 2012

CLÁUSULAS “REBUS SIC STANTIBUS” E “PACTA SUNT SERVANDA”


CLÁUSULAS “REBUS SIC STANTIBUS” E “PACTA SUNT SERVANDA”



                 A expressão rebus sic stantibus, encontrada no latim medieval, era totalmente desconhecida pelos romanos das varias épocas da latinidade, da origem à queda do Império Romano. Essa expressão é um ablativo absoluto que significa, ao pé da letra, estando às coisas assim, se as coisas estiverem assim. Numa tradução toda interpretada para a língua portuguesa, teremos: “se tudo continuar para o futuro do mesmo modo que agora”. Tendo surgido nos trabalhos dos pós-glosadores, recebeu plena e unânime aceitação que se prolongou até os dias atuais, concorrendo, entretanto, agora, com a expressão teoria da imprevisão, de cunho atual e que tem recebido universal recepção por parte dos grandes especialistas, quer no Direito Público ou no Direito Privado.
Todas as obrigações contratuais devem ser compreendidas em relação das circunstâncias que serviram de base para as respectivas avenças. Com efeito, as partes contratantes pactuaram e uniram-se tendo presente uma dada realidade e a expectativa de certos e determinados resultados, não em vista de situação e efeitos diversos que poderiam levar a inexecução do ajuste e, até mesmo, à total ruína de um dos contratantes. Portanto vale afirmar, situações supervenientes e também imprevisíveis que possam interferir sobre qualquer dos aspectos pactuados, mesmo cláusula financeira e até relativa a execução do próprio contrato, autorizam a revisão contratual. É a cláusula rebus sic stantibus, prevalência da situação de fato existente na época do acordo, do antigo Direito Romano, aplicável em todos os contratos administrativos.


A grande força da expressão rebus sic stantibus, cujo domínio de sua aplicabilidade ocorreu principalmente entre os séculos XIV e XVI, foi praticamente anulada com a adoção, através do art. 1.134 do Código de Napoleão, da teoria da imutabilidade das cláusulas contratuais, expressada pela máxima segundo a qual os pactos contratados devem ser observados. É exatamente nesse ponto que se pode ver e entender a cláusula pacta sunt servanda. Por isso regra em questão, não obstante o acontecimento de situações e resultados totalmente imprevisíveis, os contratos firmados devem ser cumpridos ou mesmo os pactos hão de ser observados mesmo que levem a ruína um dos contratantes. Essa nova orientação, com maior razão, se afeiçoou aos contratos administrativos. 

A cláusula “rebus sic stantibus”  totalmente prestigiada pelos canonistas da Idade Média e adotada também pouco depois pelos bartolistas e pela doutrina alemã e italiana até meados do século XVIII, como também por alguns estudiosos franceses dos séculos XVII e XVIII,  desapareceu completamente na França do século XIX, ante a imposição da autonomia da vontade pactuada, da regra pacta sunt servanda, para novamente surgir, vitoriosa, sob outra denominação conhecida como teoria da imprevisão, durante os conflitos da Primeira Guerra Mundial de 1914 a 1918.
Durante a referida guerra algumas companhias de distribuição de gás e eletricidade da França se encontraram na tal impossibilidade de cumprir os contratos assinados com a Administração Publica devido à ocupação do território francês pelo exercito alemão. E como consequência dessa guerra a principalmente pela invasão alemã em território francês ouve uma imensa elevação do preço do carvão e falta de mão-de-obra para realizar o serviço público.
Exatamente em março de 1916, o conselho de Estado da França. Chamado a dar sua opinião no caso da Companhia de Fornecimento de Gás de Bordéus, preferiu um grande e corajosa decisão, tornada histórica e clássica e que, dai por diante, iria orientar não apenas a jurisprudência e a doutrina da França como também de outros países como a Inglaterra e mesmo o Brasil.

Afirmativa o famoso aresto:

“Considerando que em princípio, o contrato da concessão regula, de modo definitivo, até expirar, as respectivas obrigações do concessionário e do cedente; que o concessionário é obrigado a executar o serviço previsto nas condições estipuladas no convênio e é remunerado pela percepção, por partes dos usuários das taxas ali convencionadas; que a variação do preço da matéria-prima por motivos de origem econômica constitui uma álea do ajuste que pode, segundo o caso, ser favorável ou desfavorável ao cessionário e fica à mercê dos ricos e perigos, cada parte sendo vista como tendo previsto esta álea nos cálculos de previsões que fez antes pacto, Mas considerando também, por outro lado, que pela série de circunstancias oriundas do estado de guerra, a alta sobrevinda, no decurso da guerra atual, do preço do carvão, que somente tem caráter  excepcional, no sentido de habitualmente a este termo, mas acarreta, no custo da fabricação de gás aumento, tal que desafiando todos os cálculos, ultrapassa certamente os limites extremos das majorações que puderam ser consideradas pelas partes por ocasião do contrato de concessão; que, pela série concorrente das circunstancias indicadas, a economia do contrato se encontra totalmente perturbada; concluímos que a Companhia é autorizada a sustentar que não pode ser obrigada a assegurar, nas únicas condições previstas, originalmente, o funcionamento do serviço, enquanto durar a situação anormal supramencionada”

Acabamos de mostra a fonte da Teoria da Imprevisão, inteiramente de construção jurisprudencial, ou pretoriana, como podemos vê no aresto reproduzido acima.


 

                                        Ernani Eugenio Andrade de Melo