CLÁUSULAS
“REBUS SIC STANTIBUS” E “PACTA SUNT SERVANDA”
A expressão rebus sic stantibus, encontrada no latim medieval, era totalmente desconhecida pelos romanos das varias épocas da latinidade, da origem à queda do Império Romano. Essa expressão é um ablativo absoluto que significa, ao pé da letra, estando às coisas assim, se as coisas estiverem assim. Numa tradução toda interpretada para a língua portuguesa, teremos: “se tudo continuar para o futuro do mesmo modo que agora”. Tendo surgido nos trabalhos dos pós-glosadores, recebeu plena e unânime aceitação que se prolongou até os dias atuais, concorrendo, entretanto, agora, com a expressão teoria da imprevisão, de cunho atual e que tem recebido universal recepção por parte dos grandes especialistas, quer no Direito Público ou no Direito Privado.
Todas
as obrigações contratuais devem ser compreendidas em relação das circunstâncias
que serviram de base para as respectivas avenças. Com efeito, as partes contratantes
pactuaram e uniram-se tendo presente uma dada realidade e a expectativa de
certos e determinados resultados, não em vista de situação e efeitos diversos
que poderiam levar a inexecução do ajuste e, até mesmo, à total ruína de um dos
contratantes. Portanto vale afirmar, situações supervenientes e também
imprevisíveis que possam interferir sobre qualquer dos aspectos pactuados,
mesmo cláusula financeira e até relativa a execução do próprio contrato,
autorizam a revisão contratual. É a cláusula rebus sic stantibus, prevalência
da situação de fato existente na época do acordo, do antigo Direito Romano,
aplicável em todos os contratos administrativos.
A
grande força da expressão rebus sic stantibus, cujo domínio de sua
aplicabilidade ocorreu principalmente entre os séculos XIV e XVI, foi
praticamente anulada com a adoção, através do art. 1.134 do Código de Napoleão,
da teoria da imutabilidade das cláusulas contratuais, expressada pela máxima
segundo a qual os pactos contratados devem ser observados. É exatamente nesse
ponto que se pode ver e entender a cláusula pacta sunt servanda. Por isso regra
em questão, não obstante o acontecimento de situações e resultados totalmente
imprevisíveis, os contratos firmados devem ser cumpridos ou mesmo os pactos hão
de ser observados mesmo que levem a ruína um dos contratantes. Essa nova
orientação, com maior razão, se afeiçoou aos contratos administrativos.
A
cláusula “rebus sic stantibus” totalmente prestigiada pelos canonistas da Idade
Média e adotada também pouco depois pelos bartolistas e pela doutrina alemã e
italiana até meados do século XVIII, como também por alguns estudiosos
franceses dos séculos XVII e XVIII,
desapareceu completamente na França do século XIX, ante a imposição da
autonomia da vontade pactuada, da regra pacta sunt servanda, para novamente
surgir, vitoriosa, sob outra denominação conhecida como teoria da imprevisão,
durante os conflitos da Primeira Guerra Mundial de 1914 a 1918.
Durante
a referida guerra algumas companhias de distribuição de gás e eletricidade da
França se encontraram na tal impossibilidade de cumprir os contratos assinados
com a Administração Publica devido à ocupação do território francês pelo
exercito alemão. E como consequência dessa guerra a principalmente pela invasão
alemã em território francês ouve uma imensa elevação do preço do carvão e falta
de mão-de-obra para realizar o serviço público.
Exatamente
em março de 1916, o conselho de Estado da França. Chamado a dar sua opinião no
caso da Companhia de Fornecimento de Gás de Bordéus, preferiu um grande e
corajosa decisão, tornada histórica e clássica e que, dai por diante, iria orientar
não apenas a jurisprudência e a doutrina da França como também de outros países
como a Inglaterra e mesmo o Brasil.
Afirmativa o famoso aresto:
“Considerando que em princípio, o
contrato da concessão regula, de modo definitivo, até expirar, as respectivas
obrigações do concessionário e do cedente; que o concessionário é obrigado a
executar o serviço previsto nas condições estipuladas no convênio e é
remunerado pela percepção, por partes dos usuários das taxas ali
convencionadas; que a variação do preço da matéria-prima por motivos de origem
econômica constitui uma álea do ajuste que pode, segundo o caso, ser favorável
ou desfavorável ao cessionário e fica à mercê dos ricos e perigos, cada parte
sendo vista como tendo previsto esta álea nos cálculos de previsões que fez
antes pacto, Mas considerando também, por outro lado, que pela série de circunstancias
oriundas do estado de guerra, a alta sobrevinda, no decurso da guerra atual, do
preço do carvão, que somente tem caráter
excepcional, no sentido de habitualmente a este termo, mas acarreta, no
custo da fabricação de gás aumento, tal que desafiando todos os cálculos,
ultrapassa certamente os limites extremos das majorações que puderam ser
consideradas pelas partes por ocasião do contrato de concessão; que, pela série
concorrente das circunstancias indicadas, a economia do contrato se encontra
totalmente perturbada; concluímos que a Companhia é autorizada a sustentar que
não pode ser obrigada a assegurar, nas únicas condições previstas,
originalmente, o funcionamento do serviço, enquanto durar a situação anormal
supramencionada”
Acabamos
de mostra a fonte da Teoria da Imprevisão, inteiramente de construção
jurisprudencial, ou pretoriana, como podemos vê no aresto reproduzido acima.
Ernani Eugenio Andrade de Melo