terça-feira, 17 de abril de 2012

REFORMA CONSTITUCIONAL E DIREITO ADQUIRIDO: A QUESTÃO DAS CLÁUSULAS PÉTREAS



REFORMA CONSTITUCIONAL E DIREITO ADQUIRIDO: A QUESTÃO DAS CLÁUSULAS PÉTREAS






A Constituição Federal de 1988 afirma no art. 5º, Inciso XXXVI: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Trataremos nesse trabalho apenas o que diz respeito ao direito adquirido. Todavia, a própria Constituição Brasileira não define a extensão e o conteúdo desse direito.
Voltamos a dizer que não se pode desconhecer, contudo, que no ordenamento positivo nacional, inexiste qualquer definição Constitucional a respeito de direito adquirido. Na verdade, esse conceito ajusta-se à concepção que lhe dá o legislador ordinário, a quem assiste toda a prerrogativa de definir, normativamente, todo o conteúdo evidenciado da ideia de situação jurídica definitivamente consolidada.
Mostraremos o conceito de Celso Bastos sobre o tema estudado, “constitui-se num dos recursos de que se vale a Constituição para limitar a retroatividade de lei. Com efeito está em constante mutação, o Estado cumpre o seu papel exatamente na medida em que atualiza as suas leis. No entretanto, a utilização da lei em caráter retroativo, em muitos casos, repugna porque fere situações jurídicas que tinham por consolidados no tempo,  e este é uma das fontes principais da segurança do homem na terra”.
A Constituição não é interpretada mediante a lei ordinária; a lei dita ordinária é que tem a sua formação e interpretação condicionada totalmente pela Constituição. A garantia contida no art. 5º, Inciso XXXVI, por expressa determinação constitucional, tem aplicação imediata, Independente de qualquer preceito legal regulador. Vale salientar se o conceito em questão constituísse matéria de caráter unicamente ordinário, a garantia constitucional do direito adquirido estaria de modo totalmente indireto à disposição do legislador, subordinada aos seus prazeres  e  bastante esvaziada enquanto norma de proteção individual. Além disso teríamos de admitir o paradoxo de um limite ao legislador depender da atuação do próprio legislador. Sobre esse paragrafo mostraremos o que conceitua Ovídio Bernardi, “se um legislador elabora uma lei, deve respeitar o direito adquirido. Mas a seu cargo dizer o que é direito adquirido, então nada vale a exigência constitucional”.
É evidente no Brasil o papel insubstituível que ocupa a construção pretoriana e permanente dos tribunais, especialmente do Supremo Tribunal Federal, com todo auxílio da doutrina jurídica nacional, na tarefa de concretizar a cada passo o conteúdo e a extensão da norma de proteção ao direito estudado, uma vez que garantia entre nós possui matriz constitucional. É a jurisprudência dos Tribunais Superiores o veiculo por excelência de tradução do direito vigente que entre nós pauta a matéria em comento.
A função especifica da garantia do direito adquirido é assegurar, no passar do tempo, a total manutenção de todos os efeitos jurídicos de normas modificadas ou suprimidas. Como se trata de garantia ocupada com os efeitos concretos da lei fica evidente que não se destina nunca a inibir a evolução da legislação existente, e a modificação ou a revogação das leis preexistentes, porém a fazer perdurar no tempo os efeitos individuais e concretos da lei alterada ou suprimida mais vantajosa na ordem legal. Direitos adquiridos são direitos subjetivos estabelecidos ou mesmos incorporados no patrimônio jurídico individual e totalmente protegidos da aplicação da nova lei. Não são direitos vocacionados a impedir a inovação abstrata da lei. Na realidade, a garantia do direito adquirido pressupõe, como condição preliminar para poder ser aplicada, a efetiva ocorrência de processos de reforma legislativa. Se não é verificada nenhuma sucessão legislativa, modificação da norma jurídica anterior por outra norma superveniente bem mais gravosa, a garantia constitucional não tem oportunidade de incidir.
Podemos comparar o funcionamento da garantia do direito adquirido, no passar do tempo, como um enorme guarda-chuva. Fica claro que a lei nova não é impedida de ser aplicada de maneira geral e imediatamente protegidos e resguardados, no entanto, todas as pessoas que são titulares de uma situação jurídica bem mais vantajosa anterior da aplicação das novas disposições legais. Estes indivíduos permanecem sendo regidos pela antiga regra que foi alterada ou mesmo revogada, bem mais vantajosa, para certos e determinados efeitos, embora a nova norma existente seja de imediatamente aplicada a todos os demais indivíduos. É evidente que se trata de uma garantia individual, que funciona como tal, pois tutela uma situação subjetiva de uma ou mais determinadas pessoas .
Trata-se de garantia constitucional que opera no plano dos efeitos jurídicos, no plano concreto das relações jurídicas, não no plano lógico, abstrato das normas jurídicas. Não diz respeito ordinariamente à validade da alteração normativa, mas aos seus efeitos. Ao ser alterada ou mesmo revogada uma norma abstrata não se fere nenhum direito adquirido, menos ainda a norma de sua garantia, desde que a nova norma abstrata não recuse expressamente a garantia do direito adquirido a determinado grupo de pessoas que efetivamente já os pertençam. O direito adquirido manifesta apenas a sua força e total imutabilidade no plano concreto,em face a alguma interferência modificativa ou até mesmo inovadora do legislador. Este acontecimento produz consequências que o interprete, inclusive o próprio Poder Legislador, não deve nem tampouco pode desconsiderar.
Temos que afirmar que os direitos adquiridos não são clausulas pétreas da Constituição Federal e sim a garantia dos direitos adquiridos, isto é, a norma enunciada no art. 5º, XXXVI, do nosso texto constitucional, inscrita no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais. Esta norma não poderá ser suprimida do estatuto constitucional mediante o exercício e a forma do poder de emenda.
As clausulas pétreas, são também denominadas clausulas de imutabilidade ou garantia de eternidades, são limites matérias ao poder de reforma constitucional. Referem a conteúdos, princípios, normas constitucionais que não podem ser objeto de deliberação pelo poder da reforma constitucional. Essas são revestidas de um tipo de eficácia muito bem reforçada, na medida em que denotam normas constitucionais que somente poderão ser derrogadas pelo poder constituinte originário. Sintetizam a ideia fundamental de direito da coletividade, compondo a identidade básica da Constituição. Reforma-las é totalmente inviável para o poder constituinte reformador, pois seria o mesmo que a retirada dos alicerces que os sustentam e a derrubada da Constituição.
Voltamos a afirmar que as clausulas pétreas são normas eminentíssima de natureza unicamente constitucional. Logo seu conceito não poderá ser trivializado ou banalizado. Então, as clausulas pétreas pela grande sua grande importância não poderão ser em numero incerto, incontável, chegando ao ponto de ser instalada uma situação de total imutabilidade de uma parcela significativa da ordem jurídica. Se situam logicamente apenas na intimidade da Carta Magna, de forma expressa ou implícita, são em número limitado e referem somente a normas constitucionais.
O sistema jurídico nacional é estruturado em sucessivas camadas de normas, fundamentando-se as normas do estrato superior. No topo do sistema encontra-se a Constituição Federal e na sua base estão todas as normas individuais. O sistema jurídico é comumente descrito semelhante a uma pirâmide. Na proporção em que se desce do topo dela para sua base, da Constituição para as normas tidas individuais, aumenta o numero de normas e os limites e condicionamentos materiais ao órgão competente para edição de novas normas. Inversamente proporcional, na medida em que se sobe da base da pirâmide jurídica em direção ao seu vértice diminui o total do numero de normas e o numero das limitações materiais ao órgão competente para alterar as normas existentes. Assim, o administrador que decide um determinado caso concreto esta limitado, em termos de conteúdo, por regulamentos, pela lei ordinária ou complementar e pela própria Constituição; o legislador, que edita lei ordinária se encontra limitado, em termos materiais ou de seu conteúdo, por toda a Constituição Federal; o poder de reforma constitucional, por sua vez, diz-se limitado quanto ao conteúdo do seu objeto apenas pelas clausulas pétreas expressas ou implícitas constates da própria Constituição.
Se o direito adquirido, qualquer que seja a sua fonte, como situação jurídica individual, for oponível também em face da Constituição, ou de emenda que a modifique, o poder de reforma estará submetido a limites materiais semelhantes ao do legislador ordinário, contido segundo quase o mesmo grau de condicionamento, quando toda logica do sistema do sistema aponta para menores condicionamentos e maior liberdade de iniciativa quanto ao conteúdo possível de alteração. No sistema jurídico nacional, lei e emenda constitucional são entidades claramente distintas. A lei é veiculo ordinário de expressão normativa, irrompe com certa agilidade no processo legislativo, porém encontra ampla delimitação material fornecida pela Constituição. Já a emenda, de revés, é um veiculo normativo de natureza extraordinária, episódico, de dificílima produção no campo material, pois apenas está limitado pelas “cláusulas pétreas” previstas na própria Constituição. O poder de reforma constitucional,  embora não se confunda com o poder constituinte originário (que é força político-social incondicionada em termos jurídicos e fixadora de uma nova ideia fundamental de direito), expressa também de forma especial ou incomum a soberania popular através do Parlamento, uma vez que opera apenas após quatro votações sucessivas do plenário, duas em cada legislativa, observados em quórum qualificado de três quintos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.





ERNANI EUGENIO GAYOSO ANDRADE DE MELO

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