quarta-feira, 6 de julho de 2011

DEMOCRACIA DIRETA

 DEMOCRACIA DIRETA


O Estado Democrático é aquele em que o próprio povo governa, fica evidente que se verifica a dificuldade do estabelecimento dos meios para que o povo possa externar sua vontade. Sobretudo atualmente, em que a regra eleitoral são colégios eleitorais numerosíssimos e as decisões de interesse publico são muito frequentes, exigindo assim uma enorme atividade legislativa, é difícil, quase absurdo, ou melhor dizendo impossível na atualidade, pensar-se na hipótese de constantes manifestações do povo, para que se saiba rapidamente qual a sua vontade. Todavia, embora com amplitude bastante reduzida, não despareceu por completa a pratica de manifestação, ou melhor, pronunciamento do povo, ainda existindo na atualidade alguns institutos que são classificados como expressões de democracia direta. Referindo-se a essas praticas, alguns estudiosos do Direito entre esses Burdeau qualifica-se de mera curiosidade histórica, entendendo que a democracia direta só existe mesmo na Landsgemeinde, que estudaremos mais adiante, que ainda encontra-se em alguns cantões suíços: Appenzell, Glaris e Unterwalden.
Durante muitos séculos a Landsgemeinde foi o órgão supremo em todos os pequenos Cantões da Suíça Oriental e Central, começando o seu fim ou a sua abolição durante o século XIX. É retratada como uma assembleia, aberta a todos os cidadãos do seu  respectivo Cantão que tinham o direito de votar, impondo-se a todos esses o comparecimento como uma obrigação e um dever. A Landsgemeinde é reunida ordinariamente apenas uma vez por ano, sempre num Domingo de primavera, podendo ser convocada extraordinariamente. Na grande maioria dos casos, só foi admitida a sua convocação pelo Conselho Cantonal, porem havia outros Cantões, que admitiram a sua convocação por um certo numero determinado de seus cidadãos. Existe uma publicação previa de todos os assuntos a serem submetidos a votação, ou melhor, deliberação, podendo ser votadas as proposições de cidadãos ou do seu Conselho Cantonal, sendo remetidas a este órgão todas as conclusões tomadas. Vale salientar que a Landsgemeinde vota Leis Ordinárias e Emendas a Constituição do Cantão, Tratados Inter Cantonais, autorizações para a cobrança de impostos e para a realização de determinadas despesas publicas de grande vulto e cabe-lhe também decidir sobre a naturalização cantonal.
Entretanto, alguns estudiosos como já citados Georges Burdeau e também André Hauriou falam que as decisões tomadas pelo povo desses Cantões são aparentes. E numeram alguns pontos negativos da Landsgemeinde:
1)      Ela só é ou poderá ser mantida nos Cantões suíços onde sua população seja pequena;
2)      Praticamente todo o seu trabalho é preparado por um Conselho Cantonal, eleitos pelo o povo do seu respectivo Cantão, e se limita, unicamente, a aprovar ou desaprovar o que foi estabelecido pelo próprio Conselho.
3)      Quando a matéria a ser discutido pelo povo se tratar de problemas jurídicos ou técnicos, a assembleia popular não esta apta para decidir ou discutir a ate mesmo para justificar uma possível recusa ou aceitação das proposições que lhe forem submetidas. Mesmo havendo ainda algum rigor nessa critica anteriormente exposta, é facilmente compreensível que Landsgemeinde só poderá existir onde o colégio eleitoral seja bastante pequeno e registro, o que, por si só, é mais que suficiente para torná-la inviável no mundo atual.

Para finalizar esse estudo, enfatizo um pensamento bastante interessante do Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Dalmo de Abreu Dallari sobre democracia direta: “No momento em que os mais avançados recursos técnicos para capacitação e transmissão de opiniões, como Terminais de computadores, forem utilizados para fins políticos será possível a participação direta do povo, mesmo nos grandes Estados. Mas para isso será necessário superar as resistência dos políticos profissionais, que preferem manter o povo dependente de representantes”. Essa frase foi escrita em 1971 no seu livro Elementos de Teoria Geral do Estado. No meu simples entender quase 30 anos depois Dallari estava prevendo o futuro. Não só da legislação eleitoral brasileira como a mundial.


Ernani Eugenio Gayoso Andrade de Melo

sábado, 14 de maio de 2011

ESTUDO DO CASO ELMER

CASO ELMER

         
     Vamos ao caso Elmer propriamente dito, Elmer assassinou seu avô por envenenamento em Nova York, no ano 1882. O caso Elmer não é conhecido pela imensa maioria dos acadêmicos de Direito brasileiros e até mesmo por muitos de seus profissionais. Todavia no Direito norte americano faz parte através de seu estudo em todas às salas de aula no curso de Direito, sendo conhecido pela ação Riggs VS. Palmer. Ele sabia que o testamento deixava-o com a maior parte dos bens do avô, e estava bastante desconfiado que o velho, que voltara a casar-se havia pouco, pudesse alterar o testamento e deixá-lo sem absolutamente nada. Todavia o crime praticado por Elmer foi descoberto; ele foi declarado culpado e, condenado a alguns anos de prisão. Estaria ele legalmente habilitado a receber a herança que seu avô lhe deixara no último testamento? Os legatários residuais incluídos no testamento, habilitados a herdar se Elmer tivesse morrido antes do avô, eram as filhas deste. Elas, devido ao assassinato do seu genitor cometido pelo seu sobrinho, resolveram processar o inventariante do espólio, pedindo que todo patrimônio ficassem com elas, e não com seu sobrinho. Argumentavam que, como Elmer havia matado o testador, seu pai, a lei não lhe dava o direito a nada.
Vale explicar que na lei americana o direito aos testamentos encontra-se em sua grande parte, compreendido em leis especiais, geralmente denominadas de leis sucessórias, que determinavam a forma para que um testamento deva ter para ser considerado válido: quantas, e que tipos de testemunhas devem assinar, qual dever ser o estado mental do testador, de que forma um testamento inteiramente válido, uma vez firmado, pode ser revogado ou alterado pelo seu testador, e assim por diante. A lei de sucessões de Nova York, como outras tantas em vigor no ano de 1882, não afirmava nada explicitamente sobre se uma pessoa citada em um testamento válido poderia ou não herdar, segundo seus respectivos termos, se houvesse matado o próprio testador. Vamos agora saber como o advogado que, por não ser violadas absolutamente nenhuma das cláusulas explicitas da lei, o testamento, portanto era completamente válido, e que seu cliente, por ter sido nominalmente citado num testamento válido, tinha direito à herança. Declarou também seu advogado que, se o tribunal que estava julgando o caso concreto se pronunciasse favoravelmente a favor de suas tias, estaria alterando o testamento e substituindo o direito por suas próprias convicções morais. Analisando o caso concreto um dos juízes do tribunal julgador chamado juiz Gray afirmou que se Elmer perder a herança por ser assassino, estará sofrendo uma punição adicional por seu crime, além de todos os anos que ficará na penitenciária. É um princípio bastante importante da justiça que a punição de um determinado crime seja estabelecida com antecedência pela legislação e não seja aumentada pelos juízes depois que o crime foi praticado.
Professor Ronald Dworkin
Essa condição do Tribunal do Estado de Nova York deveria ser baseada segundo a lei vigente e, portanto sua sentença seria a favor de Elmer ou esse mesmo tribunal através de seus membros deveriam ser mais ousados e não ficarem totalmente presos ou vinculados a lei existente e sim agirem pela discricionariedade, afirmando que existe uma lacuna na própria lei existente que está impedindo a resolução do caso concreto e portanto o caso deveria ser decidido através de princípios de direito e não da lei. Como já sabemos a decisão proferida pelo juiz Gray pretendia que Elmer herdasse a fortuna deixada pelo seu avô. Essa decisão foi baseada, ou melhor, totalmente vinculada à lei existente mesmo sendo uma norma incompleta. Todavia outro juiz chamado Earl argumentou que, em outros contextos, o direito respeita o princípio de que ninguém deve beneficiar-se do seu próprio erro, de tal modo que a lei sucessória devia ser lida no sentido de negar uma herança a alguém que tivesse cometido um homicídio para obtê-la. Os pontos de vista do juiz Earl que foram baseados na discricionariedade do poder dos juízes diante da lacuna de uma lei especifica para cada caso concreto prevaleceram no julgado do Tribunal do Estado de Nova York. Outros quatro juízes acompanharam em sua decisão, enquanto o juiz Gray que baseou a sua decisão vinculada unicamente a lei existente só conseguiu encontrar um aliado. Elmer, portanto não recebeu sua herança. Esse caso Elmer até os dias atuais continua sendo objeto de estudo não só dos estudantes do curso de Direito como de grandes mestres como o sempre atual Ronald Dworkin professor de direito na Universidade de Harvard. Tenho que anunciar que o exemplo mostrado nesse post conhecido no direito norte-americano como Riggs vs Palmer foi estudado do livro “Law’s Empire” por Harvard University Press escrito por Ronald Dworkin. Mostramos nesse exemplo que os juízes podem agir com discricionariedade nos seus julgados quando assim se fizer necessário não estão eles unicamente vinculados à lei e nada mais, pois se assim fossem os juízes não passariam de ser meros aplicadores da lei. Vemos que os princípios do Direito devem fazer parte dos seus julgados quando a lei deixa ou provoca uma lacuna que está impedindo sua decisão no caso concreto. Vemos aí importância do ato discricionário para se chegar à conclusão de uma sentença justa quando existe uma lacuna da lei.

Ernani Eugenio Gayoso de Melo.

terça-feira, 22 de março de 2011

LACUNAS DO DIREITO DE ACORDO HANS KELSEN

LACUNAS DO DIREITO DE ACORDO HANS KELSEN
Hans Kelsen (Praga, 11 de outubro de 1881 — Berkeley, 19 de abril de 1973) foi um jurista austro-americano, um dos mais importantes e influentes do século.

Tentarei mostrar aqui em especial o que verdadeiramente são Lacunas do Direito através da definição do grande professor de Direito Hans Kelsen: “Como, porém, o Direito vigente é sempre aplicável, pois não há lacunas neste sentido, esta fórmula, quando se penetre o seu caráter fictício, não opera a pretendida limitação do poder atribuído ao Tribunal, mas a auto anulação da mesma. Se, porém, o Tribunal também aceita a ideia de que há lacunas no Direito, então esta ficção teoricamente inaceitável realiza o efeito pretendido. Com efeito, o juiz e especialmente o juiz de carreira que está sob o controle de um Tribunal Superior, que não se sente facilmente inclinado a tomar sobre si a responsabilidade de uma criação do Direito ex novo, só muito excepcionalmente aceitará a existência de uma lacuna do Direito e, por isso, só muito raramente fará uso do poder, que lhe é conferido, de assumir o lugar do legislador”. Reproduzirei da melhor maneira possível esse tão interessante tema.
A prévia permissão mencionada para ordenar uma sanção que nunca foi estabelecida por uma certa norma geral preexistente é muitas vezes entregue aos Tribunais indiretamente, por meio de uma ficção. Trata-se da ficção de que a ordem jurídica possui uma lacuna. Logo significa que o Direito vigente não pode ser aplicado a um caso concreto porque não existe nenhuma norma tida como geral que se refira a um certo e determinado caso. A ideia a ser seguida é a de que é logicamente impossível aplicar o Direito efetivamente válido a um determinado caso concreto pela falta da premissa necessária.

Vamos agora reproduzir na íntegra o primeiro parágrafo do Código Civil Suisse: “à défaut d’une dispositive légale applicable, le juge prononce selon le droit contumier, et à défaut d’une coutume, selon les règles qu’il établirait s’il avait à faire acte le législateur”. Cabe aqui traduzir para nossa língua pátria, para facilidade de entendimento, o § 1º do Código Civil Suíço: “A lei aplica-se a todas as questões jurídicas para as quais contenha, segundo sua letra ou a sua interpretação, um preceito. Na hipótese de não ser possível encontrar na lei prescrição, deve o juiz decidir de acordo com o direito consuetudinário e, na falta deste, segundo a norma que ele, como legislador, teria elaborado”. É totalmente presumível que esta cláusula não se refere a casos em que o Direito estatuário ou mesmo o consuetudinário estipula positivamente o dever, ou melhor, a obrigação que o queixoso diz ter sido violada pelo réu no caso concreto. Nesses casos em particular, segundo o 1º parágrafo do Código Civil Suíço, existe uma norma legal aplicável. Esse respectivo dispositivo presumivelmente é referido apenas aos casos em que o dever ou obrigação do queixoso diz ter sido violada pelo réu não estipulada por uma norma geral. Nesses casos ora determinados, o magistrado não poderá ser obrigado a rejeitar a demanda oferecida pelo queixoso. O juiz possuirá a possibilidade de estipular, na condição especial de legislador, a obrigação sustentada para o caso concreto. Todavia ele possuirá outra possibilidade, a de rejeitar a ação oferecida pelo queixoso sob a alegação de que o Direito vigente não estipula a obrigação pedida.
Logo se o magistrado recorrer à aplicação dessa última possibilidade, não é presumida nenhuma lacuna do Direito. Ele indubitavelmente aplica o Direito válido. Ele não aplica, é verdade, uma regra afirmativa, obrigando indivíduos a determinada prestação. Só porque não existe nenhuma norma preexistente que possa obrigar o réu à conduta reclamada pelo queixoso, o réu é livre, segundo o Direito positivo, e não cometeu, portanto nenhum delito com a atitude. Se o magistrado rejeita a ação proposta ele aplica, por assim dizer, a regra negativa de que nenhuma pessoa poderá ser forçada a observar a conduta à qual não está obrigado pelo Direito.
A ordem jurídica não pode ter quaisquer lacuna. Se o magistrado está autorizado a decidir uma ação judicial como um verdadeiro legislador no caso de a ordem jurídica não conter nenhuma norma geral preexistente que obrigue o réu a realizar à conduta reclamada pelo queixoso ele não preenche uma lacuna do Direito efetivamente válido, mas acrescenta ao Direito efetivamente válido uma norma individual à qual não corresponde nenhuma norma geral. O direito efetivamente válido poderia ser aplicado ao caso concreto pela rejeição da lacuna. Pode-se afirmar que o magistrado, contudo, pode modificar o Direito para um determinado caso concreto, ela possui o poder de obrigar juridicamente uma pessoa que anteriormente estava juridicamente isento de qualquer obrigação.
Todavia, tudo que foi exposto nesse capitulo gera uma pergunta que deve ser respondida. Mas quando o juiz deve rejeitar uma demanda e quando deve criar uma nova norma que vá ao encontro dela? Como pode-se perceber o primeiro parágrafo do Código Civil Suíço e a teoria das lacunas que ele expressa categoricamente não fornecem nenhuma reposta satisfatória e mesmo clara. A intenção obviamente é a de que o juiz tem de assumir o papel de legislador se não existir nenhuma norma jurídica geral preexistente estipulando a obrigação do réu reclamada pelo queixoso, se o juiz considerar a total inexistência de tal norma insatisfatória, injusta e também iníqua. A condição sob a qual o juiz está autorizado a decidir uma certa demanda investido na figura de um legislador não é como a teoria das lacunas pretende. O fato de a aplicação do Direito efetivamente válido ser logicamente impossível, mas o fato da aplicação do Direito efetivamente válido é segundo a opinião do magistrado inadequada jurídica e politicamente.
O legislador, ou seja, o órgão autorizado pela Carta Magna a criar todas as normas jurídicas gerais, entende a possibilidade de que as normas que decreta podem, em determinados casos, levar a resultados corretos ou iníquos, uma vez que o legislador não possui nenhuma condição de antever, ou melhor, prover todos os casos concretos que podem vir a ocorrer. Ele, portanto, permite que o órgão aplicador do Direito, não a aplicar simplesmente as normas gerais ter um resultado insatisfatório. A grande dificuldade encontrada é que é praticamente impossível determinar de antemão os casos em que o magistrado atue como um verdadeiro legislador. Se o legislador pudesse prevê todos esses casos, ele então poderia formular tais normas de um certo modo que tornasse simplesmente supérflua a referida autorização para que o juiz atuasse como verdadeiro legislador. A fórmula “o juiz está autorizado a atuar como legislador se a aplicação das normas gerais existentes lhe parecer injusta ou iníqua” da bastante autonomia ao arbítrio do juiz, já que este poderá julgar a aplicação da norma geral criada pelo legislador inadequada em muitos casos. Logo é evidente que tal fórmula significa a total abdicação do legislador em favor do juiz. Esse então é o verdadeiro motivo pelo qual o legislador usa a ficção das “Lacunas do Direito”, ou melhor, a ficção de que o Direito verdadeiramente válido pode ser logicamente inaplicável a um determinado caso concreto.
A ficção restringe a autorização do juiz em duas direções distintas. Em primeiro lugar, ela limita a autorização aos casos em que a obrigação que o queixoso afirma que foi violada pelo réu não está estipulada em nenhuma norma geral. Essa norma exclui todos os casos em que a obrigação do réu pretendida pelo queixoso está positivamente estipulada por uma das normas gerais existentes. Essa restrição é inteiramente arbitrária. Estipular uma obrigação pode também ser tão injusto ou iníquo quanto se omitir. A total incapacidade do legislador de prever todos os casos possíveis pode, é evidente, fazer com que ele deixe de decretar uma norma ou leva-lo a formular uma norma geral e, desse modo, estipular obrigações que não teria estipulado caso houvesse previsto todos os casos.

A outra evidente restrição implicada na fórmula que manifesta ou usa a ficção das “Lacunas do Direito” tem principalmente um efeito psicológico que jurídico. Se o magistrado tem o poder de atuar como um verdadeiro legislador unicamente sob a hipótese de existir uma lacuna no Direito, isto é, sob a evidente condição de o Direito ser logicamente inaplicável ao caso concreto, ficando oculta a verdadeira natureza da condição, que é de aplicação do Direito apesar de logicamente possível parecer injusta ou iníqua ao juiz. Como efeito do que foi dito anteriormente pode ser o de que juiz faça uso dessa autorização unicamente naqueles caos razoavelmente raros em que lhe parece tão evidentemente injusto negar a demanda do queixoso que ele se sinta compelido a entender que tal decisão é totalmente incompatível com as intenções do legislador. Então, ele chega à conclusão: se o legislador pudesse antever esse caso concreto, ele teria estipulado a obrigação que o réu deveria cumprir. Como a ordem jurídica ainda não contém essa norma, ela não poderá ser aplicada ao caso concreto, e como ele, o juiz é autorizado a decidir a questão proposta, é exatamente aí que o magistrado deve atuar como legislador. A teoria das Lacunas do Direito, na verdade, para Hans Kelsen é uma ficção, já que é sempre logicamente possível, apesar de ocasionalmente inadequado, aplicar a ordem jurídica existente no momento em que a decisão judicial deverá ser tomada. Todavia, o sancionamento dessa teoria fictícia pelo legislador consegue produzir o efeito pretendido de restringir consideravelmente a autorização que o juiz possui de atuar como um verdadeiro legislador, ou seja, de emitir uma norma individual com força retroativa nos casos em consideração.

Ernani Eugenio Gayoso de Melo.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

CASO SNAIL DARTER


CASO SNAIL DARTER

         “Esse trabalho foi entregue no Núcleo de Pós-Graduação da UFPE em 05 de fevereiro de 2001. Portanto, o tempo desgastou algumas colocações esboçadas. Contudo, tentarei atualiza-las para o bom entendimento do assunto”.
Snail Darter

Vamos analisar agora o Caso Snail Darter que possui juntamente com o Caso Bakke (estudado no post passado) um importante peso dentro do estudo do direito nos Estados Unidos da América do Norte. O caso do Snail Darter é conhecido pelos estudantes e profissionais do direito de uma forma bem mais ampla como Tennessee Valley Authority vs Hill.
Darei início ao relato do caso Snail Darter. Em 1973 o Congresso dos Estados Unidos promulgou a Lei das Espécies Ameaçadas que era fundada na preocupação nacional com a preservação e manutenção das espécies ameaçadas pelo próprio homem. Essa lei autorizava o Ministério do Interior a mostrar as espécies que, segundo sua opinião, estariam correndo o grande risco de se tornarem extintas devido à destruição de muitos dos seus habitats que o Ministério considerava essenciais á sobrevivência e manutenção delas, e também essa mesma lei exige que todos os órgãos e departamentos do governo tomem todas as medidas necessárias para assegurar que todas as ações autorizadas, financiadas ou até mesmo executadas por eles não poderão por em risco algum a continuidade da existência das espécies ameaçadas.
Um certo grupo de preservacionistas do estado do Tennessee era contra os projetos de construção de uma barragem que estava sendo construída por ordem da Administração do Vale Tennessee, não devido a alguma ameaça às espécies, todavia porque essa barragem estava modificando a geografia da área ao transformarem riachos que corriam livremente em feios e finos fossos, com a finalidade de aumentar desnecessariamente (assim eram os pensamentos dos preservacionistas ou ambientalistas) a fonte de emergia hidrelétrica. Foi descoberto pelos preservacionistas que uma certa barragem, quase totalmente concluída, que já tinha gasto na sua construção bem mais de cem milhões de dólares, estava ameaçando destruir o único habitat do Snail Darter, que é um pequeno peixe de 7,5 cm, sem nenhuma beleza, interesse biológico e nenhuma importância ecológica. Os preservacionistas em questão conseguiram convencer o Ministro do Interior a mostrar esse pequeno peixe como uma das espécies ameaçadas de extinção e tomar as medidas cabíveis, sobretudo legais para impedir a construção e a conclusão dessa barragem.
E foi exatamente como pediram os preservacionistas que o Ministro do Interior assim procedeu, como resposta a Administração do Vale do Tennessee declarou que a Lei das Espécies Ameaçadas não podia ser interpretada de moda a impedir a conclusão ou manutenção de todo e qualquer projeto na fase final de seu término. A Administração falou que as palavras “ações autorizadas, financeiras e executadas”, contidas no corpo da lei, deveriam ser entendidas como uma referência ao início de todo e qualquer projeto, e não em projetos em fase final de conclusão. Para manter seu pedido, chamou-se a atenção para outras leis aprovadas pelo Congresso Norte Americano, todas essas aprovadas algum tempo depois do Ministro do Interior ter declarado que o término da barragem daria fim ao Snail Darter, o que sugeria que o Congresso tinha como desejo que a barragem fosse terminada a despeito da declaração ministerial. Ficou evidente que o Congresso tinha autorizado, especificamente, a dotação de recursos para que a barragem fosse concluída mesmo após o Ministro do Interior ter identificado o Snail Darter como uma espécie ameaçada de extinção através da conclusão do projeto. E muitas das comissões do próprio Congresso declararam, especifica e por mais de uma vez, serem contra a decisão do Ministro, acatando a interpretação da lei feita pela Administração do Vale do Tennessee e desejando que a barragem fosse concluída.
Todavia esse caso de impasse entre o Poder Legislativo na figura do Congresso Nacional Norte Americano e o seu Poder Executivo representado pelo Ministro do Interior foi parar na Suprema Corte Constitucional, órgão máximo do Poder Judiciário para que este proferisse através de uma sentença a decisão mais plausível para o caso.
A Suprema Corte decidiu que a barragem que estava sendo terminada no Tennessee fosse interrompida, apesar do enorme desperdício de recursos públicos. Analisando essa decisão da Suprema Corte ficou evidente que sua sentença final foi totalmente um ato vinculado a Lei das Espécies Ameaçadas. Preferiram a grande totalidade dos ministros da Suprema Corte Constitucional salvarem o Snail Darter e encarar um imenso prejuízo público do que aplicarem o poder discricionário que possuem e buscar uma sentença de com sensu e predominando o bem estar da população. Um pouco mais adiante dentro desse mesmo tema mostraremos a corrente tomada pelo Presidente da Suprema Corte Warren Burguer e a maioria dos seus membros acatando a ordem ministerial e a própria lei de uma forma vinculante. Para depois estudarmos o voto vencido que usou da discricionariedade no seu proceder, ou melhor, julgou aplicando uma interpretação eficaz baseada como já foi dito anteriormente no bom sensu e principalmente no bem estar público.
Insatisfeito com a sentença proferida pela Suprema Corte o Congresso sabiamente aprovou uma nova lei, ou melhor, uma Emenda à Lei das Espécies Ameaçadas, estabelecendo um procedimento geral para excluir a incidência da lei emenda com base nas conclusões de junta revisora. Essa saída do Congresso americano está fazendo com que outros países possam agir da mesma forma diante de uma lei diferente da americana, mas da mesma forma processual diante de sua corte maior. 
Desmatamento da Fauna brasileira. Notemos a forma de pulmão como resultado  da degradação ambiental
Mostraremos resumidamente o que está acontecendo no Brasil em relação à contribuição previdenciária dos servidores públicos inativos. O Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a lei que determinava essa contribuição de forma unânime seus 11 Ministros foram contra o deferimento da lei inclusive o próprio Ministro Presidente que não era obrigado a votar, resolveu também através do seu voto negar a vigência dessa lei. Vendo que foi negada e tida como inconstitucional a Lei da Contribuição Previdenciária dos Servidores Públicos Inativos, já está circulando no Congresso Nacional Brasileiro em algumas de suas comissões um projeto de Emenda Constitucional onde será promulgada a Lei que deverá reger essa contribuição. Vale salientar que até a presente data 29 de janeiro do ano de 2001 não foi ainda promulgada. Todavia, sabe que essa emenda será feita na nossa Constituição e essa lei entrará em vigor não discutiremos nesse exemplo dado o mérito da questão, pois o colocamos apenas nesse ponto a título exemplificativo (atualizando no governo do ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva o desconto dos servidores públicos inativos foi deferida pelo Congresso Nacional Brasileiro e o próprio Supremo Tribunal Federal sentenciou a lei constitucional. Contudo, devemos afirmar que essa lei em comento foi elaborada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso de Melo)
Voltamos agora ao Caso Snail Darter onde mostraremos as duas correntes da decisão do caso concreto. A primeira corrente liderada pelo Presidente da Suprema Corte, chamado Warren Burguer, teve seu voto acompanhado pela grande maioria dos ministros. No seu voto afirmou que quando o texto de uma lei é claro a Suprema Corte não tem o direito de recusar-se a aplicá-la apenas porque todos os resultados serão tolos. É evidente que o voto do juiz Warren e da grande maioria dos membros da Corte foi um voto totalmente vinculado a Lei das Espécies Ameaçadas. Eles através da vinculação preferiram arcar com resultados que poderiam ser tolos perante grande parte da opinião pública do que usar do poder discricionário e tentar formular uma sentença bem melhor. Veremos agora o voto do ministro Lewis Powell que apresentou voto dissidente ao da Suprema Corte, acompanhado por apenas outro ministro. Ele declarou que a decisão da grande maioria estava dando uma interpretação absurda ao texto da Lei das Espécies Ameaçadas. Disse o ministro da Suprema Corte Lewis Powell: “Não cabe a nós retificar políticas emanados do Poder Legislativo, por notório que seja o serviço que prestem ao interesse público. Mas quando a formação da lei e o processo legislativo, como nesse caso, não precisam ser interpretados para chegar a tal resultado, considero dever desta Corte adotar uma interpretação eficaz, que seja compatível com um pouco do bom sensu e com o bem estar público”. Ficou no meu próprio entender que o voto mesmo sendo vencido do juiz Lewis Powell foi dentro dos limites estabelecidos pelo bom sensu. Seu voto mesmo não sendo vinculado à Lei das Espécies Ameaçadas como o da maioria dos membros da Corte Suprema não foi um voto arbitrário que ocorre quando há um excesso do poder discricionário. O ministro Lewis Powell usou o poder discricionário dentro dos limites legais e em momento algum os ultrapassou e não havendo uma lei que regulasse de uma maneira clara o fato ocorrido tomou sua decisão não vinculada ali existente e sim através de princípios, tomou e montou sua decisão.
Para finalizar mostraremos que a decisão da Suprema Corte foi a favor da Lei das Espécies Ameaçadas logo fica evidente que enquanto essa lei estiver em vigor à barragem não será concluída e o Snail Darter continuará vivo e protegido no seu habitar natural. Todavia quando o Congresso promulgou a Emenda Constitucional a Administração do Vale do Tennessee pode concluir a barragem que antes da própria emenda já está na fase final.

Ernani Eugenio Gayoso de Melo