segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

UM CASO DE DISCRICIONARIEDADE ILIMITADA SEM SER ARBITRÁRIA






    
     Este estudo é dedicado ao Doutor em Direito Eduardo Rabenhorst professor de Direito da Universidade Federal da Paraíba e professor do núcleo de Pós-Graduação da Universidade Federal de Pernambuco que sem sombra de dúvida foi o responsável pela ideia de escrever este texto.




   

     O ato é discricionário quando existe uma margem de liberdade para a atuação do administrador. A Lei não preencheu todos os requisitos deste ato competência, finalidade, forma, motivo e objetivo. Fica claro que o Ato Administrativo terá todos os 5 (cinco) requisitos, contudo o Ato Administrativo Discricionário no que diz respeito ao objeto e o motivo serão preenchidos pelo próprio administrador levando em conta o melhor para a administração.

     Relato um caso verídico onde o Rei de Israel tinha em suas mãos amplas e irrestritos poderes para governar. Este governante não era forçado a tomar suas decisões vinculadas a nenhuma lei, pois ele era a própria em pessoa. Tinha o poder discricionário sem limites e todas as suas vontades deveriam ser obedecidas.


     Será relatado o caso em que o Rei Salomão, filho de Davi, julga a causa de duas mulheres que lutavam pela mesma criança: “16 Então vieram duas prostitutas ao rei, e se puseram perante ele. 17 Disse-lhe uma das mulheres: Ah! Senhor meu, eu e esta mulher moramos na mesma casa, onde deia luz um filho. Estávamos juntas, nenhuma outra pessoa se achava conosco em casa, somente nós ambas estávamos ali. 19 De noite morreu o filho desta mulher, porquanto se deitara sobre ele. 20 Levantou-se à meia noite, e, enquanto dormia tua serva, tirou-me o meu filho do meu lado, e o deitou nos seus braços, e a seu filho morto deitou-o nos meus. 21 Levantando-me de madrugada para dar de mamar a meu filho, eis que estava morto; mas reparando nele pela manhã, eis que não era o filho que eu dera à luz. 22 Então disse a outra mulher: ‘Não, mas o vivo é meu filho, o teu é o morto’ Porém esta disse: ‘Não o morto é o teu filho, o meu é o vivo’. Assim falaram perante o rei. 23 Então disse o rei: ‘Esta diz: Este que vive é meu filho, e teu filho é o morto’; e esta outra diz: Não, o morto é teu filho, o meu é o vivo’. Assim falavam perante o rei. 24 Disse mais o rei: ‘Trazei-me uma espada’. Trouxeram uma espada diante do rei. 25 Disse o rei: ‘Divide em duas partes o menino vivo, e daí metade a uma e metade a outra’. 26 Então a mulher cujo era vivo, falou ao rei (porque o amor materno se se aguçou por seu filho), e disse: ‘Ah! Senhor meu, daí-lhe o menino vivo e por modo nenhum o mateis’. Porém a outra dizia: ‘Nem meu nem teu; seja dividido’. 27 Então respondeu o rei: ‘Daí a primeira o menino vivo, porque esta é sua mãe’. 28 Todo o Israel ouviu a sentença que i rei havia proferido; e todos tiveram profundo respeito ao rei, porque viram que havia nele a sabedoria de Deus, para fazer justiça”. 1º RS3. (16,28).

          Temos que afirmar que esta sentença foi dada pelo Rei Salomão centenas de anos antes do nascimento de Jesus Cristo na cidade Jerusalém, sede do governo do povo israelense. Estudaremos esta história por dois ângulos opostos. Primeiro se o fato em comento tivesse acontecido na atualidade. Pelo menos no Brasil e em muitos países o caso em comento nunca chegaria às mãos do Chefe do Poder Executivo. A decisão sobre o destino do menino ficaria a mercê do Poder Judiciário exercido por um Juiz de Direito talvez por um da Vara de Família que examinaria o caso concreto e totalmente vinculado às leis de natureza civis existentes e mediante as provas constantes nos autos ou até mesmo por sua convicção devidamente embasada prolataria sua sentença. Vale salientar que o magistrado não poderia agir unicamente com o seu poder discricionário. Devendo unicamente atuar mediante a vinculação as leis existentes, costumes e princípios do Direito. Contudo também poderia agir quando possível mediante um campo pré-determinado da discricionariedade permitida aos juízes.

     No exemplo em fulcro podemos perceber que o Rei Salomão era ao mesmo tempo os Poderes Executivos, Legislativo e Judiciário. Tinha em suas próprias mãos o poder de fazer e deixar de fazer o que lhe conviesse. O poder de governar Israel era totalmente ilimitado não existia na época lei alguma que pudesse restringir ou mesmo regular seu reinado. Salomão nas suas decisões usava o poder discricionário sem nenhum tipo limitação ou controle externo. Na atualidade seria uma insanidade qualquer autoridade seja qual for o poder pertencente mandar dividir uma criança ao meio. Todavia na época do reinado de Salomão embora pronunciasse uma sentença por mais absurda que fosse deveria ser cumprida. Como curiosidade está contida na Santa Escritura que Deus certo dia resolveu presentear o seu servo Salomão. Vendo este que já possuía todos os tipos de bens e poderes, resolveu pedir sabedoria para governar e conduzir o seu povo. Comenta-se até os dias atuais que ele foi o líder mais sábio que passou pela terra. Voltamos à sentença prolatada de dividir uma criança ao meio. Embora fosse absurda aos olhos de todas às pessoas de bom senso. Salomão, por sua grande sabedoria, sabia que a mãe verdadeira diante de uma sentença tão cruel, preferiria perder seu filho para outra qualquer com vida do que vê-lo morto e dividido ao meio. Como resultado final todo povo de Israel ficou profundamente admirado com a sabedoria do seu governante.

     Fica evidente que não se pode de maneira alguma deixar nas mãos de qualquer pessoa ocupante, de um posto de comando qualquer, o poder discricionário ilimitado. Podemos ver ao longo da História da Humanidade que todas as vezes que a discricionariedade ilimitada foi colocada em prática por uma liderança qualquer, perceberemos um Estado centralizado nas mãos de uma única pessoa geralmente um déspota que era ao mesmo tempo governante, juiz, legislador e para piorar alguns se achavam o próprio Deus. Esse tipo de governante existiu principalmente na Europa em maior escala na França, Inglaterra e na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas entre muitos outros países durante a forma de Governo Absolutista que vigorou em praticamente toda a Europa até 1876, quando eclodiu a celebre Revolução Francesa e voltou à tona em 1917 com a Revolução Russa. É evidente que a discricionariedade nas mãos de Chefe de Estado e/ou Governo, Juiz, Legislador e até Servidor Público é necessária quando praticada com bom senso e principalmente visando o bem estar social. Contudo todo e qualquer ato discricionário praticado não deixa de ser vinculado a um campo pré-determinado de limitação. E dentro desta limitação seu autor glosará de liberdade para agir da maneira que melhor lhe convir. Atrevo-me a dizer que todo Ato Discricionário é um Ato Vinculado. Porém todo Ato Vinculado não será um Ato Discricionário.


Ernani Eugenio Gayoso de Melo

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